Já olhou ao seu redor e se perguntou: o que eu tô fazendo aqui?
Todo mundo já ouviu ou leu a famosa frase: “Trabalhar com propósito”. Afinal, o que é isso? Como se identifica e/ou se cria um propósito? Segundo o documento Carreira em Impacto Social divulgado pela Fundação Estudar:
“A palavra propósito significa porque algo é feito ou para o qual algo existe. Em termos de carreira, é possível definir o propósito como a motivação do profissional e o quê ele acredita que pode contribuir com o mundo”.
Nós, do Ensina Brasil, acreditamos que através da reflexão sobre sua própria trajetória e valores torna-se possível identificar e criar um propósito. Por isso, durante os dois anos do Programa de Desenvolvimento de Lideranças, proporcionamos aos participantes formações que os convidam a refletir sobre suas decisões de carreira.
Sendo algumas dessas formações:
- Mentoria
- Plano de Desenvolvimento Individual
- Conversa com Lideranças
- Tutoria (Observação e Co-Investigação)
Quer saber mais sobre cada uma delas? Acesse aqui o Manual do Ensina Brasil e fique por dentro de tudo que o Programa te oferece.
Mas e você… qual foi a última vez que refletiu sobre sua trajetória? 🤔💭
Confira a entrevista com Jaqueline Vitoria, ensina (participante do programa) de 2021, graduada em Direito e logo após o texto em que produziu relatando sua experiência como docente:
Por que é importante refletirmos sobre nossa trajetória?
Há uma música do ColdPlay, uma banda que gosto muito, que diz a seguinte frase: “Todas as pessoas andam em linha reta, por que você não faz uma curva?” Penso que a vida não precisa ser uma linha reta, você pode explorar várias coisas, sempre se questionando se o caminho que estamos indo dialoga com o nosso propósito e nossa vontade ou se é por uma pressão social. Temos que entender que podemos tentar diversos caminhos, não precisamos ficar presos.
O que te levou a inscrever-se no Ensina Brasil?
Depois que me formei, eu era advogada trabalhista e algo que me instigava muito era o fato das pessoas que mais precisavam saber dos seus direitos, muitas vezes, não sabiam. Então esse foi o primeiro incômodo e eu quis mudar de trajetória, porque eu percebi que atuando na educação eu poderia fazer com que os estudantes soubessem os direitos que eles têm enquanto cidadãos.
Qual você acredita ser o seu propósito?
O meu propósito é mostrar que os estudantes podem ocupar espaços. Minha intenção não é que todos, de forma unânime, sejam médicos, engenheiros e advogados. Eu quero que os estudantes sejam o que eles querem ser, sem deixar de enxergar outros espaços e oportunidades.
A garota que tinha medo de errar
Você se lembra dos seus medos de criança? Apagar a luz da cozinha e ir correndo para o quarto, no escuro, com a certeza de que, se não corresse depressa o suficiente, algum monstro iria te alcançar? Confesso que faço essa corrida até hoje! E quando chego no quarto ainda me envolvo no lençol para ter certeza de que estou em segurança.
Em 2020, através do Programa de Desenvolvimento de Lideranças para Educação da rede Ensina Brasil, descobri o propósito de fazer com que todos os estudantes exerçam seu direito à educação e decidi direcionar minha trajetória profissional para contribuir com esse direito. Me tornei ensina 2021 e hoje sou, ou melhor, prefiro dizer que estou professora de Língua Portuguesa na rede municipal de Petrolina/PE. Nós, participantes do programa, somos chamados de ensinas justamente porque atuamos em escolas públicas, desenvolvendo competências e gerando impacto social dentro da sala de aula.
Com a mudança de carreira, fui do corporativo empresarial ao corpo ativo escolar. A verdade é que nesses 9 meses no programa já relatei várias vezes que sempre fui apaixonada pelo ambiente escolar em todos os sentidos, mas dessa vez quero enfatizar aqueles cinco do corpo humano: o cheiro dos corredores, o gosto da merenda, a visão da sala de aula, o barulho do sinal tocando e o toque dos dedos virando as páginas do caderno. Eu era daquelas estudantes que nunca faltava. A escola era o meu lugar favorito no mundo, o lugar onde eu não tinha que correr depois de apagar a luz, o lugar onde eu não tinha medo.
A vida de professora, ainda no ensino remoto, me ajudou a enxergar as palavras que já faziam tanto sentido para mim, mas o retorno presencial foi o responsável por me fazer aplicá-las numa frase: na escola não devemos ter medo do erro, ou melhor, devemos nos valer exatamente dele. E isso é algo que eu lembro todos os dias em que piso na sala de aula. Afinal, durante algum tempo, sobretudo depois dos meus anos escolares, eu fui a garota que tinha medo de errar.
O que te levaria a ter medo de errar? As consequências práticas do erro, o julgamento alheio ou a autocrítica? No meu caso, era um combo que envolvia os três itens, acompanhado de batata-frita e refrigerante. Um medo que me impedia de tentar coisas novas, olhar para novas direções, assumir riscos em todas as esferas da vida. Eu havia me esquecido do quanto eu poderia tentar e só pensava no quanto eu poderia errar tentando.
Quando 2020 escancarou nossos medos em escala global, eu resolvi que queria experimentar de novo aquela sensação de ter um lugar favorito no mundo que me oferecesse segurança, além do meu lençol que me protegia todos os dias do monstro da cozinha. Um lugar onde eu pudesse depositar tentativas, esforços e concentração durante o processo. E os resultados? Bons ou ruins, viriam como consequência. E se não viessem? Tentaria de novo.
Decidi então voltar para o lugar seguro: a escola, onde a segurança não se dá por ser um ambiente no qual é impossível errar, mas onde é possível se valer do erro para aprender e corrigir, onde usamos inclusive um instrumento exclusivo para isso: a borracha, que borra e acha um espaço para escrever de novo. Onde nossas vulnerabilidades se expõem e nossas fortalezas tem tudo para serem potencializadas. Onde atravessamos vidas e somos atravessados numa frequência muito maior.
Agora, como docente, tento diariamente relembrar meus estudantes do quanto a escola deve ser usada como espaço de tentativas. Estimulo que testem verbalizar ou escrever hipóteses mesmo sem ter a certeza de que estão certas. Tento mostrar que o famigerado “não sei, professora” é como se apagassem a luz da cozinha, permanecendo no escuro, “não sabendo” que no fim das contas, não há monstro perseguidor quando se apaga a luz, que a chegada no quarto não precisa ser apressada e que tem vários interruptores pelo caminho. Relembro que as consequências práticas do erro são usar a borracha para abrir um novo espaço de tentativa, que o julgamento não deve existir porque não se trata de competição, mas de experiência, e que a autocrítica deve ser usada para avançar e não para impedir.
Assim, a oportunidade de viver uma trajetória docente tem me dado a chance diária de reforçar, a mim mesma e aos meus estudantes, a potência que a escola possui em nos permitir experimentar, construir, estar e, desde logo, ser, entendendo que já somos.
Como eu disse no início desse texto, ainda hoje continuo apagando a luz da cozinha e correndo para o quarto. É que o monstro do erro insiste em apostar corrida comigo todos os dias. Quando chego no quarto, fecho a porta na cara dele e digo: “ganhei!”. Depois me envolvo no lençol, cheia de segurança.
1 comentário em “Qual foi a última vez em que você refletiu sobre sua trajetória?”
Observar a multidisciplinaridade aqui, unida por um único propósito é muito belo de se ver. Ver que pessoas das mais diversas profissões foram atraídas por um mesmo propósito intríseco, é fantástico!