Quais sentimentos e perspectivas sobre decisão de carreira, educação e si mesmo os participantes desenvolvem por meio da experiência proporcionada pelo Programa de Desenvolvimento de Lideranças?
Nessa publicação, você conhecerá o ensina (participante), João Felipe, e através da leitura do texto produzido por ele mesmo, terá a visibilidade de algumas de suas reflexões e inquietudes sobre ser um educador.
João Felipe é formado em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Durante a graduação foi diretor da Associação Atlética FDV e do Centro Acadêmico Maria Lúcia Karam e monitor de diversas disciplinas. Realizou trabalhos voluntários e serviços em encontros católicos de adolescentes e jovens, exercendo papéis de coordenação. É, também, membro do Laboratório de Ensino e Aprendizagem em Direito da FDV. Acredita que, por meio da educação de qualidade, todas as crianças poderão desfrutar das mesmas oportunidades.
Construindo-se educador: relato em uma escola rural
Eu já imaginava que entrar no Ensina Brasil me levaria a sair de casa, enfrentar novos desafios e amadurecer pessoal e profissionalmente; era, inclusive, um dos processos pelos quais eu mais ansiava dentro dessa jornada ainda muito desconhecida. O que eu não esperava era que esse amadurecimento ocorreria em uma velocidade tão acentuada, não por algo em mim, mas porque o contexto em que eu fui inserido gerou em mim a necessidade de amadurecer.
Não me entenda mal – meu caminho apenas começou e eu ainda tenho muito (“muito” talvez seja eufemismo) para amadurecer. Entretanto, o choque sociocultural ao qual me submeti demanda de mim habilidades socioemocionais e pedagógicas que nenhum curso seria capaz de ensinar. Afinal, não importa o quanto você estude ou assista palestras, a vida real e seus percalços são os verdadeiros mestres da nossa jornada.
Nascido e criado na capital do Espírito Santo, eu cresci e me formei dentro do ambiente urbano. Vitória não é lá uma cidade grande; pelo contrário, é uma ilha de pouco mais de trezentos mil habitantes cuja existência é por muitas vezes questionada e desconhecida pelos demais conterrâneos sudestinos.
Quando recebi a notícia de que seria alocado em Petrolina/PE, conhecida como “a cidade dos impossíveis” pela sua rica fruticultura abençoada pelo vale do Rio São Francisco, de cara já sabia que enfrentaria muitos desafios e muitas “primeiras vezes”: a primeira vez que sairia de casa e moraria em outra cidade; a primeira vez que viajaria para um estado da região nordeste; a primeira vez que daria aula em uma escola, e por aí vai.
Eu não esperava, contudo, que o choque seria ainda maior. Fui alocado na Escola Municipal José Nunes de Santana, uma escola a quarenta quilômetros do centro urbano de Petrolina, localizada na comunidade de Nova Descoberta. Esta comunidade nasceu para abrigar os trabalhadores das lavouras de fruticultura da zona rural leste, junto com outras comunidades, como a do distrito de Bebedouro.
(Se você quiser conhecer mais a escola, clique abaixo para assistir um curto vídeo que fizemos de boas vindas para os alunos no início do ano letivo de 2021)
Se o Ensina Brasil luta para que todas as crianças tenham uma educação de qualidade, focando sua atuação em escolas públicas com altos índices de vulnerabilidade, a José Nunes é um de seus maiores exemplos. A escola tem indicadores contundentes de baixa alfabetização e alta evasão escolar, e esses indicadores tornaram-se ainda mais críticos com a pandemia da COVID-19.
É, a pandemia afetou muito este contexto. A maioria dos alunos vive em situação de vulnerabilidade econômica, motivo pelo qual essa supracitada maioria não possui acesso ao ambiente virtual. Muitas famílias possuem apenas um celular para múltiplas crianças assistirem às aulas; muitos alunos trabalham junto às suas famílias para garantirem o sustento da casa e complementarem a renda da casa, prejudicada pela pandemia e pela redução do poder de compra da população em geral.
É nesse contexto em que eu estou inserido e no qual eu posso dizer que estou vivendo a experiência mais desafiadora e mais engrandecedora que eu já vivi.
Aprender a lidar com os próprios demônios é difícil. Depois de ouvir que nós seremos professores-líderes e seremos catalisadores de mudança na educação do país, é frustrante se deparar com, quando muito, três alunos em uma aula, enquanto os outros mais de trinta não conseguem acessar a aula online.
Na minha cabeça, não existiria professor-líder no mundo que seria capaz de lidar com essa realidade. Não havia habilidade socioemocional a ser trabalhada em sala de aula, não havia protagonismo do aluno, não havia metodologias ativas… quase noventa por cento dos meus alunos não estavam ali, então eu não poderia atingi-los.
Como assim? Como eu serei um agente de mudança da educação no Brasil e um professor-líder se eu mal tenho alunos? De que adiantam todos esses pensamentos se eu não consigo atravessar os meus alunos?
E foi aí que clicou.
Ouvi de uma grande amiga e mentora que Paulo Freire dizia que para mudar uma realidade, era necessário, primeiro, que você fosse atingido por ela. Apenas depois de ser atingido e tornar-se inquieto frente àquela realidade é que você será capaz de mudá-la.
Percebi que essa frustração que eu sentia, essa impotência que me dominava e que me doía todos os dias, era a interiorização de uma responsabilidade que não é minha. Era o contexto me atravessando. Eu não controlo a realidade socioeconômica do país, mas eu posso controlar o meu potencial de ser agente de mudança na vida dos meus alunos – e quanto potencial, viu?
Essa mudança da forma como eu “canalizava” essa energia fez com que meus olhos se abrissem para todas as possibilidades que essa realidade me proporciona.
Meus alunos são poetas – pude observar isso pelas trocas que tivemos nas reuniões do Projeto ConVerso, projeto que realizo na escola. Meus alunos são sensíveis e curiosos, realizando perguntas que me levam a alterar planos e mais planos de aula para satisfazer suas dúvidas.
Também entendi que não estou sozinho. O corpo docente e a gestão da minha escola são uma equipe que tem sede de transformação, e não medem esforços para que os nossos alunos se tornem versões melhores de si. Além disso, a Rede Ensina Brasil se tornou para mim uma fonte de apoio ainda maior – não apenas com materiais ou formações, mas com ouvidos para me escutar e ombros para me apoiar.
Ao final, ser educador, para mim, se tornou muito mais do que apenas ensinar. Ser educador para mim é, antes de tudo, compreender o chão em que se pisa e respeitá-lo; é entender que muitas vezes as barreiras existirão e não serão transpassáveis simplesmente porque não se resolvem somente com educação, e tá tudo bem. Porque o papel do educador é, acima de tudo, dar voz ao seu aluno e fazer com que ele se sinta capaz de sonhar e realizar.
Aquela frustração que senti vem dando lugar, cada vez mais, a um desejo incansável de mudar essa realidade. Porque nem tudo está em nossas mãos – mas aquilo que está, cabe a nós fazer o possível para que se realize.
2 comentários em ““Ser educador, para mim, se tornou muito mais do que apenas ensinar”, diz participante do Programa”
Maravilhoso 👏 o que acabei de ler! Deus enviou você nesse lugar! Imagine todas as transformações que aconteceram através de você professor! Emocionante seu relato!
Por mais pessoas dispostas a fazerem da educação uma realidade para todos neste país! Parabéns pela resiliência João